Organização social pode ser contratada para gerenciar serviços de saúde de UPA

É possível a celebração de contrato de gestão com organização social (OS) para o gerenciamento de serviços de saúde em Unidade de Pronto Atendimento (UPA), desde que as disponibilidades já ofertadas de ações e serviços de saúde pelo ente público sejam comprovadamente insuficientes para garantir a cobertura assistencial aos usuários do Sistema Único de Saúde, nos termos da Lei nº 8.080/90 (Lei do SUS).

Contudo, não é possível adotar o critério de leito/dia para a remuneração desses estabelecimentos de saúde, em razão de suas características e finalidades não se destinarem à internação de pacientes e nem à permanência por períodos superiores a 24 horas.

Somente é possível a celebração de contratos de gestão com OSs qualificadas no âmbito do próprio ente que pretende contratualizar a gestão, por meio da edição de lei local. Caso a qualificação seja efetuada por outro ente da federação, ocorrerá violação aos princípios constitucionais da separação dos poderes, do caráter federativo e da autonomia do ente.

Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de União da Vitória (Região Sul), por meio da qual questionou sobre a possibilidade e legalidade de se realizar contrato de gestão com OS já qualificada como tal no Estado do Paraná, em consonância com as políticas de saúde do SUS.

 

Instrução do processo   

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que é possível a contratação de OS para o gerenciamento de serviços de saúde em UPA. Mas ressaltou que seria inadequada a utilização do cálculo leito/dia, pois a UPA não se destina à internação de pacientes.

Ao considerar as disposições do artigo 24, XXIV, da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos), a unidade técnica destacou que somente é possível a contratualização com OSs qualificadas no âmbito do próprio ente interessado.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou com o posicionamento da unidade técnica. O órgão ministerial reforçou que o critério leito/dia não é cabível, pois as UPAs não recebem internações por períodos superiores a 24 horas. Além disso, frisou que lei local deve dispor sobre a qualificação da OS, para que não sejam violados os princípios constitucionais da separação dos poderes, do caráter federativo e da autonomia do ente.

 

Legislação e jurisprudência

O inciso I do artigo 30 da Constituição Federal (CF/88) fixa que compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local.

O inciso II do artigo 37 da CF/88 dispõe que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei, de livre nomeação e exoneração.

O artigo 196 da CF/88 estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O artigo 199 da CF/88 expressa que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada; e o seu parágrafo 1º fixa que as instituições privadas poderão participar de forma complementar do SUS, segundo suas diretrizes, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

O artigo 24 da Lei do SUS dispõe que, quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o SUS poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada; e, em seu parágrafo único, fixa que a participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.

O inciso XXIV do artigo 24 da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) estabelece que é dispensável a licitação para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.

O artigo 1º da Lei nº 9.637/98 (Programa Nacional de Publicização) fixa que o Poder Executivo poderá qualificar como OSs pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos em lei.

O artigo 15 dessa lei federal expressa que são extensíveis, no âmbito da União, os efeitos dos artigos 11 e 12, parágrafo 3º, para as entidades qualificadas como OSs pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, quando houver reciprocidade e desde que a legislação local não contrarie os preceitos dessa lei e a legislação específica de âmbito federal.

O artigo 3º da Portaria nº 2.567/2016 do Ministério da Saúde (MS), que regulamenta a participação complementar da iniciativa privada na execução de ações e serviços de saúde e o credenciamento de prestadores de serviços de saúde no SUS, estabelece que, nas hipóteses em que a oferta de ações e serviços de saúde públicos próprios forem insuficientes e comprovada a impossibilidade de ampliação para garantir a cobertura assistencial à população de um determinado território, o gestor competente poderá recorrer aos serviços de saúde ofertados pela iniciativa privada.

A Portaria do Ministério da Saúde n° 312/02, que estabeleceu a Padronização da Nomenclatura do Censo Hospitalar, entende como “leito/dia” a “unidade de medida que representa a disponibilidade de um leito hospitalar de internação por um dia hospitalar”.

O inciso II do artigo 9º da Portaria nº 1.034/10 do MS dispõe que, nos contratos e convênios firmados, para efeito de remuneração, os serviços contratados deverão utilizar como referência a Tabela de Procedimentos SUS.

O artigo 12 da Resolução n° 2079/14 do Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelece que o tempo máximo de permanência do paciente na UPA para elucidação diagnóstica e tratamento é de 24 horas. O artigo 15 dessa resolução fixa que é vedada a internação de pacientes em UPAs.

Por meio da decisão monocrática do ministro Roberto Barroso, proferida no Recurso Especial 1188535/SOP, o Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou a constitucionalidade da qualificação de entidade como OS com o fim de formalização de contrato de gestão da UPA.

 

Decisão

O relator do processo, conselheiro Ivens Linhares, lembrou que, em regra, os serviços públicos de saúde devem ser prestados de maneira direta, mediante a estrutura e corpo de pessoal próprios dos órgãos e entes públicos. Mas ele afirmou, contudo, que a Constituição Federal permite a participação complementar da iniciativa privada no âmbito do SUS, conforme disposição do parágrafo 1º do seu artigo 199.

Linhares explicou que a Lei 8.080/90 esclarece que a participação suplementar poderá ocorrer quando a estrutura própria do SUS for insuficiente. Assim, ele entendeu que é admissível a participação complementar com caráter subsidiário.

O conselheiro concordou com a CGM e o MPC-PR quanto à inadequação do critério de leito/dia para contrapartida pelo gerenciamento de UPAs, pois essas unidades não recebem internações; e quanto à impossibilidade de contratar OS qualificada como tal por outro ente da federação, com fundamento nos princípios da separação de poderes, do caráter federativo do Estado Brasileiro, e da autonomia dos entes federativos.

O relator lembrou que a UPA é destinada ao atendimento resolutivo e qualificado aos pacientes acometidos por quadros agudos de natureza clínica; e presta o primeiro atendimento aos casos de natureza cirúrgica e de trauma, estabilizando os pacientes e realizando a investigação diagnóstica inicial. Ele frisou que é vedada a internação de pacientes em UPA.

Linhares salientou que a própria Lei Federal nº 9.637/88 faz referência à qualificação de entidades como OS pelos estados, o Distrito Federal e os municípios, na forma da legislação local, ao tratar da extensão de efeitos prevista no mesmo dispositivo, a qual é condicionada, em especial, à reciprocidade de tratamento. Ele concluiu, portanto, que é necessário que cada ente da federação edite sua legislação e realize a qualificação de suas entidades.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na sessão de plenário virtual nº 2/22 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 16 de fevereiro. O Acórdão nº 244/23 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 28 de fevereiro, na edição nº 2.929 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).

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