Menino de 7 anos tem doença rara com reações alérgicas ao calor e ao suor
Urticária colinérgica causa feridas que coçam, e pode evoluir para choque anafilático e queda da pressão arterial. Mãe usa redes para esclarecer dúvidas e mitos sobre o assunto. Menino de 7 anos tem doença rara e mãe usa redes sociais para falar sobre condição
Brincar, correr, pular: atividades cotidianas de crianças são desafios para Murilo, de 7 anos, morador de Cascavel, no Paraná. Uma doença considerada rara pelo Ministério da Saúde, a urticária colinérgica, faz com que ele tenha reações semelhantes às de alergias quando o corpo tem aumento de temperatura. Entenda mais sobre a doença abaixo.
A mãe, Jhennifer Veronica, resume a doença como “alergia ao suor” ou “alergia ao calor”, para facilitar o entendimento. Em redes sociais, ela publica vídeos que mostram o cotidiano da família, e explica como administra as brincadeiras para que o filho possa se divertir sem riscos.
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A preocupação vem das dificuldades que enfrentaram para entender a doença. Entre os primeiros sintomas e o diagnóstico foram seis meses de testes, que começaram pela possibilidade de alergia alimentar.
“Investigamos trigo, investigamos leite, e aí por fim, eliminando todas as questões alimentares, a gente começou a partir para a questão da urticária mesmo”, conta.
A experiência levou Jhennifer a compartilhar as publicações com a esperança de alertar outros pais.
“Não deixem passar condições como alergia. Não é brincadeira, nós não podemos dar bobeira para ela, porque a gente pode perder nosso bem mais precioso por não cuidar”, diz.
As incertezas até o diagnóstico
Mãe conta como descobriu ‘alergia ao calor’ do filho
Segundo Jheniffer, o diagnóstico de urticária colinérgica chegou há cerca de dois anos.
O susto começou depois que Murilo ficou com dificuldades de respirar, coceiras e inchaço enquanto brincava. Naquele dia, conforme a mãe, estava muito calor e o menino se queixou da dificuldade de respirar.
Inicialmente, a família acreditou que se tratava apenas de um cansaço gerado pela brincadeira. No entanto, após alguns minutos, a situação se agravou e Jheniffer procurou a médica especialista em alergias, que atendia a família, que recomendou a aplicação de adrenalina, uma vez que Murilo estava enfrentando um choque anafilático.
“Nesse dia ela salvou a vida do meu filho”, afirma.
Jheniffer ao lado do filho Murilo
Arquivo pessoal
Enquanto investigavam as causas da reação, os médicos chegaram a acreditar que se tratava de uma alergia à proteína do leite. Porém, depois de investigar diferentes tipos de alimentos, os profissionais decidiram avaliar a possibilidade da urticária.
Para isso, fizeram exames de risco de pele e esteira, nos quais o menino passava alguns minutos em um ambiente controlado fazendo exercícios físicos. Quando completava os 30 minutos de atividades, entrava em crise, como lembra a mãe.
Segundo Juliana Primon, médica residente de alergia e imunologia pediátrica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), a única forma de diagnóstico é clínica, ou seja, depende da análise de um profissional de saúde para identificar a condição. Para isso são considerados, especialmente, o relato do paciente e quais são os sintomas.
Depois disso, alguns exames podem ser realizados para confirmar a evolução da doença, como o que foi feito por Murilo.
“Não tem um exame de sangue, por exemplo, para fazer. Tem alguns exames que a gente usa para ver a atividade da doença, mas não necessariamente para o diagnóstico”, explica a médica.
O diagnóstico encerrou uma etapa de buscas por respostas, e deu início a uma nova fase: a adaptação do cotidiano de Murilo para conviver com as restrições impostas pela doença.
Entenda como é feito diagnóstico da urticária colinérgica
Entenda o que é a urticária colinérgica
A médica Juliana Primon explica que os sintomas da urticária colinérgica incluem pequenas feridas na pele do paciente, chamadas de pápulas, que coçam bastante. Em alguns casos, a doença pode evoluir para algo mais grave, como choque anafilático e queda da pressão arterial.
No caso de pessoas que têm a doença, ao realizar exercícios físicos ou ao estar em ambientes com temperaturas elevadas, especialmente em situações de estresse intenso, é possível que os sintomas da urticária apareçam.
Herberto José Chong Neto, alergista e imunologista, professor na UFPR, explica que a doença surge repentinamente e, da mesma forma, vai embora. Até que isto aconteça, os pacientes devem fazer o controle e o tratamento preventivo, evitando o fator desencadeante e com o uso de antialérgicos.
“Na maioria das vezes a doença se resolve sozinha. Só que a gente não tem como dizer qual o tempo que cada indivíduo vai ter e tampouco um exame pode determinar isso”, explica.
A vida pós-diagnóstico
Depois do diagnóstico, muitas coisas mudaram na vida de Murilo e da família. Agora, por exemplo, ele não participa das aulas de Educação Física na escola no verão, e a mãe tenta o deixar acompanhado de adultos que estejam cientes das necessidades do menino.
Desde então, também, a mãe passou a ter um plano de ação de emergência, que envolve uma sequência de medicamentos para os casos de reação grave.
Murilo, que tem autismo nível 1 de suporte, às vezes tem dificuldade para entender os limites impostos pela mãe. O transtorno também implica em desafios na hora de lidar com as crises do menino.
“Ele tem muita sensibilidade à questão de a água estar muito quente ou estar muito gelada. Mas, ele também precisa resfriar o corpo durante essa crise, então a gente fica em um conflito gigantesco que precisamos resolver em questão de segundos”, explica.
Apesar disso, com o diagnóstico, Murilo passou a fazer o uso contínuo de antialérgicos, o que deu a ele mais liberdade para poder brincar e fazer as atividades de criança.
Repercussão nas redes sociais
Depois do diagnóstico, Jheniffer passou a falar sobre o tema nas redes sociais. De acordo com ela, inicialmente muitas pessoas passaram a criticar a situação, afirmando que se trata de algo “insignificante” ou “que simplesmente não existe”.
Com o objetivo de mostrar a gravidade da doença, a mãe começou a usar os comentários para esclarecer questões sobre a urticária colinérgica de forma educativa.
A estratégia de conscientização tem funcionado, segundo Jheniffer. Um dos retornos que teve, depois que passou a fazer isto, foi de uma mulher que descobriu que tinha a mesma doença que Murilo após ver um dos vídeos publicados.
No relato, a seguidora contou que estava fazendo exercícios físicos, quando começou a se sentir mal e decidiu ir a um médico, e descobriu que estava prestes a ter uma crise anafilática.
“Ela disse: ‘Jheniffer, através do seu vídeo, eu me salvei’. Me conforta saber que eu pude, de alguma forma, salvar a vida de uma pessoa”, lembra.
Diferentes tipos de urticárias
Manifestação da urticária colinérgica
Arquivo pessoal/Jheniffer Veronica
A urticária colinérgica é considerada uma doença rara, segundo o Ministério da Saúde. A pasta informou que, até outubro de 2024, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 79 atendimentos ambulatoriais, e 2 atendimentos hospitalares relacionados à condição em todo o Brasil.
Segundo o órgão, os números dizem respeito aos procedimentos realizados, e não à quantidade de pessoas atendidas. Isso significa que uma mesma pessoa pode ter recebido atendimento mais de uma vez. Há também a possibilidade de pacientes terem sido atendidos pela rede privada de saúde, o que não é contabilizado.
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As urticárias são divididas em duas categorias: agudas e crônicas. Ambas podem ser espontâneas, ou seja, sem causa identificada, ou então induzidas, quando desencadeadas por fatores específicos.
A urticária aguda tem duração inferior a seis semanas. Entre as possíveis causas estão infecções, alimentos, medicamentos e ferroadas de insetos, por exemplo. O tratamento é feito com o uso de antialérgicos.
Já a urticária crônica tem duração superior a seis semanas. Alguns subtipos da urticária crônica induzida incluem urticária ao frio, ao calor, à pressão, solar, colinérgica (por aumento de temperatura corporal), aquagênica (causada pela água) e vibratória, entre outras.
Entre as principais características da doença estão a presença de lesões e coceira. Na urticária colinérgica, outra sensação é relatada de algo estar “pinicando”.
“É como se estivesse levando diversas picadinhas que é um algo a mais diferente das outras urticárias”, explica o alergista Herberto José Chong Neto.
Prevalência
Estudos indicam que a doença representa entre 6% e 13% dos casos de urticária crônica induzida. No entanto, dados epidemiológicos específicos sobre a prevalência da urticária colinérgica no Brasil são limitados, segundo o Ministério da Saúde.
Segundo Primon, a literatura médica classifica a urticária colinérgica como uma doença de adultos jovens, porém, pesquisas recentes começaram a indicar a possibilidade de que a doença pode prevalecer entre crianças.
A pesquisadora aponta a importância de que sejam feitos mais estudos sobre crianças com urticária colinérgica para uma melhor compreensão sobre a doença.
*Com colaboração de Maria Pohler, assistente de produtos digitais do g1 Paraná, com supervisão de Mariah Colombo e Fernando Castro.
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