Investigação alerta para “risco real” de entrada em Portugal de fugitivos brasileiros

Existe um “risco real” de fugitivos à justiça brasileira poderem entrar em Portugal com registos criminais limpos.

O alerta é de um ex-polícia militar brasileiro (ver entrevista aqui), perito em Segurança e Inteligência de Estado, que defendeu uma tese de mestrado na Universidade Nova de Lisboa (UNL), na qual demonstra que no Brasil é possível a condenados obter online as, designadas no Brasil, “certidões de nada consta” da Polícia Federal Brasileira.

Este documento limpo é um dos requisitos para se pedir autorização de residência em Portugal e o autor da investigação, Robson Souza, acredita que já pode ter sido, e será ainda, uma “janela de oportunidade” para criminosos fugitivos “que se queiram esconder em Portugal”.

Aparentemente as autoridades portuguesas desconhecem a situação, como é o caso do Sistema de Segurança Interna (SSI) e do SEF, que é responsável pelos vistos.

No seu trabalho, como o apoio de Patrícia Naves, bacharela em Direito, Robson Sousa simulou pedidos de registos criminais de dezenas de criminosos, selecionados entre os 10 mais procurados em cada Estado, e constatou que “na esmagadora maioria dos casos foi possível obter a certidão de nada consta”.

Na sua tese, defendida em 2020 e que está sob reserva durante três anos por conter “matéria sensível”, publica várias bases de dados com cruzamento de informações que atestam a sua preocupação.

Critérios para os novos vistos têm de ser mais exigentes

Residente em Portugal desde 2018, quando passou à reserva da Polícia Militar brasileira, depois de 30 anos como operacional, preocupa-se com os riscos desta situação para a segurança do nosso país, que considera “uma das melhores do mundo”.

“Toda a pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de realizar propostas para aumentar cada vez mais a segurança interna e diminuir as ameaças à sociedade portuguesa”, sublinha.

Destaca que, numa altura em que entrou em vigor nova legislação que “flexibiliza as regras de concessão de visto de trabalho, é necessário a adoção de critérios seguros” os quais, no seu entender poderão ter alguma fragilidade“, caso apenas seja exigida a certidão da Polícia Federal.

No seu trabalho, sugere “filtros de segurança para o visto de trabalho”, como a exigência de “apresentação de comprovante de ofício, arte ou profissão comprovada e regulamentada no Brasil, através da carteira de trabalho e previdência social, cópia do diploma ou registo em entidade de classe”.

A solução para afastar esta evidente ameaça de “falsos negativos” até pode ser simples, uma vez que existe no Brasil uma base de dados pública e gratuita, no Centro Nacional de Justiça (CNJ), na qual estão registados todos os condenados sobre os quais foram emitidos mandados de prisão: o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP).

Segundo disse o CNJ ao DN na semana passada, nessa altura havia “352 293 Mandados de prisão em aberto e desses, 25 079 são de foragidos”. Segundo o investigador, destes, “somente 98 com o nome na Interpol e, nestes casos, logo que tentem entrar noutro país, é sinalizado nas fronteiras”.

alegada falta de cruzamento de informação entre a Polícia Federal e o BNDB constitui, para Robson Souza, “um grave erro de gestão, coordenação e controlo de foragidos no Brasil, que precisa ser corrigido”, lamentando que a Administração Pública portuguesa” esteja “sendo induzida em erro ao acreditar que somente a certidão da Polícia Federal é suficiente como Nada consta criminal “.

O DN enviou perguntas à Polícia Federal, mas não obteve resposta.

“Preocupação legítima”, diz o catedrático José Fontes

“Do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, uma proposta de acordo de cooperação Portugal/Brasil” é o título da dissertação do mestrado defendida em 2020 e uma possível saída para mitigar os riscos.

Robson Souza acredita que “pode ser feito um protocolo de cooperação entre Portugal e o Brasil para utilização das informações do BNMP do CNJ, com o objetivo de proteger a sociedade portuguesa e fechar uma janela de oportunidades para impedir que criminosos e foragidos da Justiça venham para Portugal”.

É importante dizer, acrescenta, que “no BNMP também existem portugueses que cometeram crimes no Brasil e se a Justiça portuguesa não for informada, podem regressar normalmente”.

Este antigo operacional da PM, que no Brasil ajudou as autoridades a encontrar e a deter vários fugitivos, defende “mais filtros de segurança” na concessão de Vistos de trabalho a brasileiros, como uma “carteira profissional” que ateste uma profissão.

Felipe Pathé Duarte, investigador e professor na Nova School of Law, onde coordena do mestrado de Direito e Segurança, presidiu ao júri desta dissertação, que obteve nota 15.

Questionado sobre o impacto na Segurança Nacional da situação descrita, responde afirmativamente: “Sim, porque toda a Administração Pública portuguesa exige e adota somente a Certidão de Nada consta da Polícia Federal que, conforme a pesquisa demonstra, não está compartilhada e desatualizada com outros bancos de foragidos. Se continuar exigindo somente essa certidão, tem grande possibilidade de obterem resultado “falso negativo”. Também não consultam o BNMP pois não existe essa rotina”.

O catedrático na Academia Militar José Fontes, orientador desta tese, considera “legítima a preocupação ” de Robson Souza, “até pelo perfil que tem e pelo seu passado”.

Este professor convidado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa sublinha que “o SEF e o SSI até podem dizer que o risco não existe, mas havendo o protocolo que é proposto não se perdia nada. Esta investigação dá pistas para que se aprofunde o trabalho neste domínio”.

Questionado, o gabinete do secretário-geral do SSI refere que o Ponto Único de Contacto-Cooperação Policial Internacional “não tem conhecimento de situações relativas a emissão de registos criminais limpos a cidadãos brasileiros fugidos da Justiça”.

Verificação do SEF é feita no mesmo site

O SEF, que só respondeu depois da edição papel fechada, ​​​​​​​informa que “os registos criminais, obtidos eletronicamente a partir do site da Polícia Federal brasileira, são, aquando da análise do pedido de visto para efeitos de emissão de parecer ou de concessão de autorização de residência, objeto de consulta/confirmação da autenticidade no site daquela polícia”.

A questão é que segundo a investigação feita, é precisamente no site daquela polícia que há informação desatualizada.

O SEF acrescenta que “por norma, todos os fugitivos à justiça constam nas Bases de Dados (BD) nacionais, europeias e internacionais” e que no caso do Brasil, devem constar na BD da Interpol para captura em Portugal/União Europeia.

Como já foi referido, só uma ínfima parte dos criminosos fugitivos brasileiros estão sinalizados na Interpol e, quanto a esses, não há problema.

Questionado sobre se já deteve cidadãos brasileiros fugidos à Justiça, o SEF confirma que “já cumpriu mandados de detenção internacionais referentes a cidadãos brasileiros” mas, “considerando que a Base de Dados da Interpol, em Portugal, é administrada pela Polícia Judiciária” encaminham o pedido do DN para esta polícia.

O DN questionou a PJ nesta terça-feira à noite e aguarda uma resposta.

O que o SEF não respondeu (as questões foram enviadas já o passado dia 9) é se consulta o BNMP e quem vai ser a nova entidade a fazer este escrutínio após a extinção do SEF.


Fonte: dn.pt

 

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