TCE esclarece compra de combustível de empresa de agente político municipal

É possível a contratação de fornecimento de combustível, por inexigibilidade de licitação, de empresa que seja a única fornecedora instalada no município, mesmo que seu sócio seja agente político municipal. Para tanto, no processo de contratação deve ser comprovado que o preço é o praticado pelo mercado.

Além disso, deve ser demonstrado por meio documental, inclusive com memória de cálculos, a superioridade dos custos com o abastecimento em outra localidade; e a inviabilidade de formas alternativas de abastecimento dos veículos e maquinários do município em cidades limítrofes.

Outro requisito para essa contratação é que a unidade de Controle Interno do município adote salvaguardas adicionais para garantir a economicidade, a regularidade e a transparência na fase de execução contratual.

Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo prefeito do Município de Porto Rico em 2022, sobre a contratação para o fornecimento de combustível com a única empresa da localidade em que figura como sócio o agente político municipal.

 

Instrução do processo

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que, excepcionalmente e com a observância de determinadas condições, é possível a contratação de empresa de fornecimento de combustível de sócio proprietário ocupante de cargo político, desde que seja a única fornecedora no município.

A CGM ressaltou que, se não há alternativa ao município senão a contratação do único posto de abastecimento da cidade, a falta de contratação pode resultar em prejuízo financeiro à municipalidade caso lhe seja imposto o dever de contratar com postos de combustível distantes do perímetro municipal.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou com o posicionamento da unidade técnica.

 

Legislação e jurisprudência

O artigo 37 da Constituição Federal dispõe que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O inciso XXI desse artigo constitucional estabelece que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

O inciso III do artigo 9º da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) fixa que não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários, servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.

O inciso I do artigo 25 da Lei de Licitações e Contratos prevê que é inexigível a licitação quando for inviável a competição, em especial “para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes”.

O inciso III do parágrafo único do artigo 26 da Lei nº 8.666/93 dispõe que o processo de inexigibilidade de licitação será instruído com a justificativa do preço.

O artigo 7º da Lei nº 14.133/20 (Nova Lei de Licitações e Contratos) fixa que caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução dessa lei.

O parágrafo 1º desse artigo estabelece que a autoridade deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.

O parágrafo seguinte (2º) expressa que o disposto no artigo 7º e parágrafo 1º inclusive os requisitos estabelecidos, também se aplica aos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da administração.

O inciso IV do artigo 14 da Nova Lei de Licitações e Contratos dispõe que não poderá disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente, aquele que mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou que deles seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação.

O artigo 117 da Lei nº 14.133/20 fixa que a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um ou mais fiscais do contrato, representantes da administração especialmente designados conforme requisitos estabelecidos no artigo 7º dessa lei, ou pelos respectivos substitutos, permitida a contratação de terceiros para assisti-los e subsidiá-los com informações pertinentes a essa atribuição.

O parágrafo 3º desse artigo prevê que o fiscal do contrato será auxiliado pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da administração, que deverão dirimir dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual.

O artigo 169 da Nova Lei de Licitações e Contratos dispõe que as contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além de estar subordinadas ao controle social. O inciso II desse artigo fixa que a contratação estará sujeita à linha de defesa integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade;

A Súmula 255 do Tribunal de Contas da União (TCU) possui o entendimento de que nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, é dever do agente público responsável pela contratação a adoção das providências necessárias para confirmar a veracidade da documentação comprobatória da condição de exclusividade.

O Acórdão nº 914/06 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 88880/06) firma o entendimento de que é possível a contratação por inexigibilidade de licitação do único posto de combustível de determinada municipalidade, em razão da ausência de competitividade. Para tanto, devem ser observados os princípios norteadores do Direito Público; as regras de licitação e contratos administrativos; e da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O Acórdão nº 2146/18 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 112974/17) admite a celebração de contrato administrativo com o único hospital da cidade de propriedade do vice-prefeito, por meio de inexigibilidade de licitação, para a prestação de serviços de saúde de urgência e emergência, em razão de ser o único estabelecimento local do gênero e da inexistência de hospital público municipal.

 

Decisão

O relator do processo, conselheiro Nestor Baptista, lembrou que circunstâncias de ordem prática podem requerer do gestor público a ponderação e, em certa medida, a mitigação de certos valores e princípios normativos, em razão da necessidade do cumprimento inadiável de seus deveres. Ele explicou que, nesse caso, serão eleitos e explicitados os motivos e os demais princípios ou normas que legitimam a atuação excepcional do administrador público.

Baptista afirmou que o TCE-PR, por meio do Acórdão nº 914/06, relativizara o preceito do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal e julgara possível a contratação por inexigibilidade do único posto de combustível de determinada municipalidade. Além disso, destacou que o Tribunal já admitira, em outra ocasião, a celebração de contrato administrativo com o único hospital da cidade que era de propriedade do vice-prefeito.

O conselheiro ressaltou que nesta Consulta estão presentes os mesmos fundamentos que justificaram as decisões anteriores da Corte de Contas. Portanto, ele concluiu ser razoável propor a flexibilização dos preceitos do inciso IV do artigo 14 da Lei Federal nº 14.133/20 e do inciso III do artigo 9º da Lei Federal nº 8.666/93, devido às circunstâncias de ordem prática que limitam e condicionam a atuação do gestor público.

O relator julgou conveniente que o jurisdicionado comprove, no processo de contratação, que o preço contratado seja o praticado no mercado; e que fique demonstrado por meio de documentos, inclusive com memória de cálculos, a superioridade dos custos com o abastecimento na outra localidade, além da inviabilidade de formas alternativas de abastecimento dos veículos e maquinários do município.

Finalmente, Baptista afirmou ser adequado indicar a necessidade de que a unidade de Controle Interno do município adote salvaguardas adicionais para de garantir a economicidade, a regularidade e a transparência na fase de execução contratual.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator, por unanimidade, por meio da Sessão nº 15 do Plenário Virtual do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 27 de outubro. O Acórdão nº 2787/22 foi disponibilizado em 17 de novembro, na edição nº 2.873 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC), veiculado no portal www.tce.pr.gov.br.

 

Serviço

Processo : 56355/22
Acórdão nº 2787/22 – Tribunal Pleno
Assunto: Consulta
Entidade: Município de Porto Rico
Relator: Conselheiro Nestor Baptista

Autor: Diretoria de Comunicação Social / Fonte: TCE/PR

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